terça-feira, 12 de abril de 2011

Vídeo nas Aldeias

Semana que vem, dia 20 de abril, tem sessão especial do Video nas Aldeias na sala do IPHAN as 16h, promovido pelo Cineclube Paraty.
Me fez lembrar da reportagem que escrevi junto com a queridíssima Patrícia Guimarães para concorrer no concurso do Itaú Cultural: Jornalismo Cultural.
Nos idos de 2003, ainda no primeiro ano da faculdade já namorava o documentário como o meio de expressão para minhas idéias. Fiz uma dezena de cursos, palestras, workshops com diretores e produtores. Vi muita gente boa falando sobre sua trajetória e me inspirei. Entre elas, João Batista de Andrade, Coutinho, Pizzini, Lilian Santiago e outros...
Quando apareceu o concurso do Itaú Cultural não tive dúvidas que escreveria sobre audiovisual, e claro sobre o documentário como forma de registrar e perpetuar os saberes de uma cultura. Depois de uma conversa com o amigo e professor Flavio Brito, tive a luz: falar sobre a experiência vivida pelos indios através do projeto Video nas Aldeias!
Compartilho aqui na íntegra a reportagem vencedora do primeiro Rumos Jornalismo Cultural!
Boa leitura!


Programação:
dia 20 - VÍDEO NAS ALDEIAS curtas brasileiros indígenas (87 min) : DE VOLTA À TERRA BOA DE MARI - de Corrêa e Vincent Carelli HUNI MEKA, OS CANTOS DO CIPÓ - de Josias Kaxinawá eTadeu Kaxinawa NGUNÉ ELU, O DIA EM QUE A LUA MENSTRUOU- Mutuá eTakumã Kuikuro PRIARA JÕ, DEPOS DO OVO, A GUERRA- de Komoi Panará 











OLHARES INDÍGENAS

Por Patrícia Guimarães e Tonica Moura Leite *


O encontro com a própria imagem para aqueles que têm o primeiro contato com a televisão é capaz de gerar um misto de emoções. “Cria expectativa. Onde aparece? Jamais vou aparecer nessas imagens. Não se imagina estar do outro lado, ou dentro do aparelho. O outro beija a máquina. Emociona. Além de emocionar, faz refletir que o mundo pode transformar a gente. Você se torna alguma coisa para outras pessoas”. Desta forma define o poder da imagem Hipãridi Top’Tiro (A’uwe Xavante), que vive há sete anos em São Paulo e é presidente da Associação Xavante Warã.
A imagem reproduzida pela televisão invade o inconsciente das pessoas permitindo que estas façam viagens a lugares até então desconhecidos. Seja por meio de ficção ou de documentários, ela abre um caminho de novidade que, mesmo que determinado local ou cultura já tenham sido conhecidos, transmite a impressão de ser algo novo, pelo simples fato do diferente olhar imbuído na imagem. Nesse âmbito, destacar o vídeo como meio de preservação da memória e de difusão da diversidade cultural torna possível a aproximação de realidades distantes.
E foi por meio da utilização dos recursos audiovisuais que as tribos indígenas do Brasil encontraram a melhor forma de inserir sua cultura na abrangente cultura brasileira. Para tanto, os recursos de imagem passaram a ser utilizados para resgatar a própria cultura, revelando as riquezas dos índios e de seus ancestrais. (continua)

Vídeo como instrumento de preservação da memória










Apoiadas pelo projeto Vídeo nas Aldeias, idealizado em 1986, por Vincent Carelli, indigenista, documentarista e fundador do projeto, muitas tribos indígenas do Brasil passaram a utilizar o vídeo como um instrumento. A intenção era fazer uso da imagem em seu benefício, divulgando e resgatando suas tradições culturais, criando um acervo que servisse de exemplo para as gerações futuras. Para eles, o registro de seus hábitos e de suas tradições serve para que sua cultura não se perca com a memória dos mais velhos. Desta forma, permanecendo viva principalmente para os jovens.
Tal projeto auxiliou no processo de formação de uma nova imagem do índio. Na criação de uma imagem que vai além do estereótipo criado pelos livros didáticos, que passou a ser concebida com apoio dos próprios índios e, colaborou para o processo de desintegração de uma imagem superficial e sem consistência, fruto da generalização feita pela mídia.
Para que, não houvesse uma perda de identidade de cada tribo, o projeto Vídeo nas Aldeias trabalhou em conjunto com os índios, na difusão de imagens de diversas tribos, realizando dessa maneira um intercâmbio cultural entre elas. Assim, cada uma pôde ressaltar o que havia de mais interessante e particular em sua cultura e transmiti-la por meio da troca de imagens.
Para tornar possível esse intercâmbio de imagens foi necessário montar salas de vídeo em cada aldeia. Onde todos se reúnem para ver o que foi filmado, dando ao vídeo o papel de informar e entreter, já que todos se divertem ao ver suas próprias imagens, ao recontar suas tradições.
A descoberta desse mundo de imagens despertou nos índios a necessidade de fazer parte do processo total de preservação cultural, ou seja, o interesse passou a ir além da ação enquanto “objeto” de cena, despertou a vontade de fazer parte da totalização do trabalho, que vai desde a captação de sua própria imagem até a edição. Foram criadas então as oficinas de capacitação, a mais importante foi a oficina no Parque do Xingu (MT), em 1998, que reuniu cerca de 30 índios, de 15 etnias diferentes. (continua)

Os índios realizadores do vídeo

“A única maneira de fortalecer o nosso povo cada vez mais é através da imagem, que você vê completo, o som e a característica da pessoa, então isso fortalece a sua identidade”, afirma Caimi Waiasse, xavante da aldeia de Pimentel Barbosa (Mato Grosso) foi formado como realizador indígena pelo projeto Vídeo nas Aldeias. Caimi trabalha registrando as imagens de sua comunidade há 15 anos. A responsabilidade de contar a sua história e legitimar a qualidade do vídeo pela avaliação dos mais velhos contribuem para firmar a autodeterminação da sociedade indígena.
Participante ativo no processo de fortalecimento dos povos indígenas por meio da imagem, Estevão Nunes (Tutú Nunes), foi quem ensinou as técnicas de edição aos índios que participaram do projeto. Convidado por Vincent Carelli, idealizador do Vídeo nas Aldeias, Tutú Nunes ingressou no projeto a partir do segundo vídeo e logo começou a difundir não só a técnica entre os indígenas, mas também a apropriação conceitual, o porque filmar, com o objetivo de valorizar o processo de formação dos novos realizadores.
Reunidos para a discussão de roteiros e definição de melhores posicionamentos de câmera, cada índio apresenta a mesma situação sob um novo olhar. Cria-se uma nova plástica para o vídeo que torna autêntico o trabalho indígena, diferenciando-o do trabalho dos demais. “Vejo estilos muito diferentes entre eles. O Kumaré (Kumaré Txicão, Ikpeng, do Parque do Xingu) tem um estilo muito legal, ele procura planos de todos os lugares. Sobe em coisas, agacha, deita, faz coisas muito legais. O Caimi (Waiasse) já faz uma coisa mais tranqüila, mais calma, mais preocupado com a informação que está na imagem. O Jorge (Jorge Protodi, de Pimentel Barbosa), um outro xavante, tem um olhar legal também de enquadramento, ele busca ângulos diferentes”, observa Tutú Nunes.
Para ele, o fundamental no processo de apropriação dos meios audiovisuais pelos povos indígenas está no fato de que ninguém poderá contar melhor sua história do que eles mesmos. “Eu acho que o mais bonito dessa utilização é o potencial de poder contar a sua história com o próprio olhar. É obvio que um índio vai gravar uma festa dez vezes melhor do que eu. Ele sabe o significado da fala, eu não entendo xavante, tupi ou várias outras línguas, não sei se tal fala é importante. Eles conhecem o significado de toda a coreografia, sabem o significado de cada coisa, de cada gesto, e eu não sei. Ele sabe onde esperar e eu vou estar sempre correndo atrás, depois do que aconteceu”, explica o editor. (continua)

Vídeo como instrumento de ações políticas








Cada vez mais os indígenas têm demonstrado interesse em utilizar o vídeo como aliado em sua luta. “O povo indígena está consciente de que não é viável usar violência, então vamos agir de outro jeito, na lei do branco, aí eles ficam reconhecendo mais o povo indígena. O objetivo é montar estratégia para se manter nesse Brasil, porque se você não tem estratégia de sobrevivência vai acabar parando na cidade, vai acabar ficando sem reserva”, argumenta Caimi Waiasse.
A utilização da imagem como ferramenta política é o objetivo que as comunidades indígenas pretendem alcançar. No entanto, a falta de democracia da mídia impede o avanço das questões indígenas. A dificuldade em trabalhar para se chegar à falada diversidade cultural ainda é grande, “é ponto de vista mais acadêmico. A discussão avançada está na Universidade, mas não está no povo. Quem domina é a Academia. Queremos que as relações dos indígenas sejam populares, não acadêmicas”, diz Hipãridi Top’Tiro.
Davi Silva, cacique guarani da aldeia Iguapeú (Mongaguá-SP), não participa do projeto Vídeo nas Aldeias, mas acredita que seria interessante ter realizadores indígenas em sua aldeia “porque quem mexe com a nossa imagem é o próprio índio, conhecedor do problema; que está fazendo as imagens para que nossa luta seja realidade”, diz. Nesta comunidade o vídeo tem a conotação de anfitrião. Com o apoio do CTI (Centro de Trabalho Indigenista) os guaranis produziram o vídeo ORE REKU (Nosso Modo de Viver), utilizado para mostrar seus costumes àqueles que visitam a aldeia. (continua)

Vídeo como alerta social


Objetivando despertar um novo olhar da sociedade, os indígenas têm trabalhado para recriar sua própria imagem. Criticam a postura da mídia, como evidenciam as palavras de Hipãridi Top’ Tiro: “no jornalismo, a coisa interessante que eles querem ver, é a gente sempre de cocar, na aldeia, sabe? Para eles a cultura deveria estar lá na aldeia. E aqueles guaranis que estão aqui em Parelheiros, São Paulo? Não estão na mídia porque estão ao lado da favela no Jd. Elba. Vieram do nordeste, fugiram da estiagem, da invasão de terras. Deixaram de ser índios por isso? Acho que a imprensa direciona conforme o que vende a matéria”.
Caimi Waiasse acredita que os vídeos possam colaborar para ampliar o acesso aos meios de comunicação. “Eu acho que aos poucos a gente está abrindo um espaço pequeno, porque o trabalho de imagem indígena é um movimento que está surgindo agora. Antigamente, ia muito antropólogo para registrar seu documento e botar no seu mestrado com aquilo que ele pensa, mas tem outras informações mais ricas que são deixadas de lado”, afirma.
Para ter a possibilidade de direcionar a imagem do índio conforme seus próprios interesses, a idéia da criação de um canal de televisão indígena está em pauta nas comunidades. A atenção do governo brasileiro para projetos como estes poderia ser o incentivo que falta no momento, já que os trabalhos indígenas realizados até então, receberam incentivo externos de organizações como o Norad, a Guggenheim, a Ford, a MacArthur e Rockefeller.
A concessão de um canal para o povo indígena os integraria à realidade cultural brasileira, difundindo a verdadeira imagem do índio. Aproximando-na dos brasileiros para que estes conheçam melhor a origem de sua cultura, firmando o caráter de autodeterminação de um povo subjulgado pela mídia brasileira.
Logo, trilha-se um caminho aberto a novos olhares. Os olhares indígenas que observam a sociedade e recriam suas imagens em um caminho mais acessível à diversidade cultural.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Feliz 2011

Feliz ano novo!!
Sim o ano começou hoje por aqui!
Depois de indas e vindas agora a inda é garantida! Diretamente de Paraty - RJ, utilizarei este espaço para compartilhar o processo de finalização de um documentário que se estende por quase 4 anos!
"Nosso Tempo é Agora" conta uma história de escuridão, tempo e espera por uma luz, uma esperança de dias melhores para uma comunidade caiçara do litoral norte paulista. Acompanhamos a expectativa da comunidade meses antes da chegada, o momento em que finalmente a luz chegou e alguns meses com a luz. Este doc surgiu da vontade de um grupo de amigos em produzir filmes com histórias de vidas. Amigos que se conheceram num curso de documentário, como tantos que existem por aí. Quem já fez um curso deste, já passou pela cabeça  juntar aquela galera e dar continuidade nos estudos e principalmente produzir! Colocar a mão na massa! Pois bem, eis que desta súbita vontade, juntando a fome com a vontade de comer surgiu o Coletivo Guaiamum Filmes. 
A princípio a proposta  do doc era apenas contar essa história de espera e narrar a chegada da energia. Mas com a demora do processo todo (diversas dificuldade que irei expor uma a uma ao longo deste processo de finalização do filme), a distancia com o tema, a qualidade tecnica das imagens e a quantidade de assuntos captados,  o roteiro final de edição se arrasta por praticamente 3 anos! Este ano, eu enquanto diretora, assumi comigo mesma e principalmente com a comunidade, o desafio de fechar esta história. Dar um começo, meio e fim, algo que parece simples, mas não é.
Abro este espaço para compartilhar os dramas de dirigir um documentário que partiu de uma idéia, mas que não teve uma direção ao longo do processo e por conta de outros fatores se arrastou até hoje.
Fiquem a vontade para comentários e troca de experiências!
Até!