terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Artesão do real



Flaherty


Confesso que essa nova experiência de escrever aqui tem me surpreendido a cada madrugada, sim, pois esse blog-canoa anda roubando todas elas. Edificante opção de balada. Sem mais delongas..rsss..acho essa palavra tão retrô, a cara da proposta desta nova fase.

Vamos lá! O primeiro documentário.

Vejo o documentario como um ponto de vista. É você, é o cineasta alí no filme, o que ele pensa, intervêm, transforma, é um agente ativo e não passivo diante da realidade documentada. Registra seu ponto de vista sem faltar com a ética. Fazer documentário é uma forma de conhecer o outro. Robert Flaherty é um exemplo notável de “presença no mundo”, comprometido com seu tempo e com a vida.

"Por meio do cinema eu me esforço em dar a conhecer um país, assim como as pessoas que aí vivem. Esforço-me em torná-las as mais interessantes possíveis sob seu aspecto mais autêntico. Só me sirvo de personagens reais, de gente que vive no local filmado porque, ao final das contas são, realmente, os melhores atores. Ninguém é mais expressivo que os irlandeses, neste domínio, incontestáveis. Os negros, tão espontâneos, possuem o próprio natural, assim como os polinésios. Mas existe um germe de grandeza em todos os povos e cabe ao autor do filme descobri-lo: achar o incidente particular ou mesmo o simples movimento que o torna perceptível. Penso que os filmes dramáticos um dia serão feitos dessa maneira." (Robert Flaherty) http://www.mnemocine.com.br/aruanda/flaherty.htm

Com essa filosofia Flaherty trouxe para a cinematografia o primeiro documentário clássico, “Nanook of de North” (1929). É o resultado de mais de dez anos de contatos do explorador norte-americano com os Inuik que habitavam a região da Baía de Hudson, no norte do Canadá.

Introduziu a narrativa, a perspectiva dramática –construindo personagens – tensão e suspense que preenderiam a atenção do espectador. Narrativa que proporciona detalhes e humaniza o relato. Seu roteiro se baseava na realidade observada. Utilizava como método de pesquisa a imersão na locação até que a história conte-se por si própria. Antes os documentários eram simples filmes de viagem, com imagens belíssimas mas sem continuidade com algum sentido, eram meramente descritivos e contavam apenas com a visão do viajante-explorador.

“Ele sabia que as platéias nem sempre esperavam uma fiel representação da realidade, que preferiam o artifìcio relativamente superior dos filmes de ficção e que os filmes não-ficcionais as atraíam com recursos como a reconstituição. Flaherty entendeu que o cinema não era uma função da antropologia ou da arqueologia, mas um ato de imaginação; é tanto a verdade fotográfica quanto uma reorganização cinemática da verdade. Diante de acusações de ter reencenado situações, Flaherty dizia “às vezes voce precisa mentir. Frequentemente você tem que distorcer uma coisa para captar seu espirito verdadeiro” (Bill Nichols – Introdução ao documentário)

O dilema entre ficção e documentário que até hoje é discutido entre os realizadores, para Flaherty não tinha importância. Sua preocupação era registrar a cultura em seu estado original, nem que para isso precisasse encenar situações tradicionais que não eram mais praticadas, para ele o que importava era a sua função no filme.

Romântico e sensível fez um filme de amor ao próximo, generoso para com o humano das relações de família, trabalho e amizade. Não era a busca da verdade seu objetivo e sim a descoberta de uma nova impressão de autenticidade, de construção de verossimilhança. Foi para o documentarista Jean Rouch um “ancestral totêmico”, ao lado de Vertov.

Muito criticado por ser ilusionista e idealizar a realidade. Porém não deixou de acreditar na sua opinião sobre a função do cinema e não exitou em alargar os limites da intervenção do diretor.

"Um documentário existe não para explicar uma faceta do mundo ou ensinar algo. Um documentário existe como discurso de um cineasta – é essa sua motivação ímpar e essencial", Amir labak http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/696167.html

John Grierson criticava a tendência romântica de reencenar costumes superados como um escapismo de Flaherty pra discutir problemas urgentes da sociedade moderna e não tinha nenhuma finalidade social, o que era a precocupação dos documentaristas ingleses na época.

Porém, Flaherty foi antes de tudo um pensador da linguagem do cinema. Incomodado com os filmes produzidos na época que utilizavam a representação humana como um teatro de gestos marcados, ou seja somente a representação de peças encenadas, buscou por linguagens e por métodos de criação próprios do cinema. Trouxe a solução para aqueles que achavam o documentário algo chato de se ver. Sua sagacidade uniu o registro informativo com a dramaticidade do teatro. Um híbrido de entretenimento e função social. Desta forma explorou a construção de identificação do público com o personagem. Algo muito discutido nos dias de hoje, mas sem nenhuma solução. Fazemos documentários para quem? Qual é o público do documentário? Para quem falam os documentários?

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